Temporada do U2 em São Paulo começa encantando os fãs no Estádio do Morumbi

Para mim, fã do U2 desde sempre, uma sensação amarga que trago há muito tempo foi a de não ter visto nenhum dos shows da turnê do disco “The Joshua Tree”, que aconteceram entre abril e dezembro de 1987.

E não importava se depois tivesse visto outros shows, de outras turnês da banda, ao vivo, ficava sempre aquele gostinho amargo deles não terem incluído a América do Sul em seu roteiro, naquela ocasião.

Ficava… trinta anos depois e a banda, que nunca foi muito de “olhar pra trás”, de repente, sem mais avisos, Bono, The Edge, Adam Clayton e Larry Mullen Jr resolvem comemorar os 30 anos de um disco, que é um dos trabalhos mais importantes do U2 e o que a fará ser lembrada daqui há 100 anos pelos historiadores da música.

E mais do que comemorar a marca, a banda decidiu levá-lo na íntegra para a estrada, uma estrada muito mais longa e inclusiva, que desta vez não só traria o show para São Paulo, mas como para atender a demanda por ingressos, seriam 4 apresentações, nos dias 19, 21, 22 e 25 de outubro e finalmente, me  sentiria vingada.

Ou quase, já que o caminho até os ingressos para grandes eventos como o show do U2 por aqui é inexplicavelmente uma sucessão de obstáculos, com a certeza de muito stress, culpa de uma produtora que sonha em transformar shows de artistas internacionais em experiências exclusivas, produtos para um mercado de artigos de luxo, consumidos apenas pelos “pobres de espírito”, cuja única finalidade é a ostentação. E, assim, bem longe do alcance das pessoas que contam com muito amor pela banda e poucos tostões no bolso.

Infelizmente, são esses que, mesmo sem poder, bancam o marketing da produtora e seus agrados a clientes “vips” de bancos, gente endinheirada que paga menos, tem mais tempo para comprar seus ingressos ou os recebem gratuitamente,  prejuízo bem compensado na bilheteria com preços ultra inflacionados para os reles mortais, que mal poderiam bancar o preço justo.

Mas todo o sofrimento termina e é esquecido magicamente quando os pés tocam o gramado do Morumbi, mais uma vez, com casa cheia por 72 mil pessoas. E então a estrutura gigantesca do palco se revela diante de nossos olhos em sua totalidade. Embora este novo palco pareça até mais simples, comparando com os das turnês mais recentes da banda, ele impressiona pelo gigantismo, um telão imenso, que durante a apresentação mostra imagens feitas por Anton Corbjn, tudo em uma alta resolução que encanta principalmente aquelas pessoas que têm que lutar para ver alguma coisa da pista, enquanto  braços se estendem à sua frente, na tentativa válida, mas um tanto egoísta de levar junto um pedacinho daquilo tudo.

Tudo começa longe do tal telão. A banda caminha pelo que poderia ser a sombra do tronco da árvore  estampada na capa do disco, ou a continuidade de suas raízes,  o som de “Sunday Bloody Sunday” é a senha para o  estádio explodir em gritos, milhares de celulares acendem a noite e a emoção está na face de cada um, se bem que a música “Whole of the Moon”, da banda Waterboys, já tinha levado meu coração até a boca, uns poucos minutos antes.

Pode parecer um tremendo de um anticlímax começar um show com um conjunto de músicas que definiram o próprio U2, ainda lá na década de 80, mas não é, na verdade a intenção é a de dizer, olha… éramos assim antes da chegada de “The Joshua Tree” .

O U2 está em seu campo agora, tocando de uma tacada só, de um palco menor, no meio do público, todas aquelas músicas que são consideradas hinos e que garantiram à banda, uma espécie de “aura” sagrada; quase um culto religioso seguido por fanáticos em todo o mundo e como se tudo já não estivesse suficientemente emocionante, Bono ainda cita Tom Jobim, Elis Regina, Renato Russo e Cazuza, em um discurso um pouco enrolado, mas que os valoriza como heróis brasileiros, antes de emendar com alguns versos de “Heroes”, de David Bowie.

Mas a ideia é comemorar “The Joshua Tree” e logo o clima muda e não dá para deixar de sentir um arrepio ainda maior na espinha quando os primeiros acordes de “Where The Streets Have no Name” chegam aos alto-falantes e o telão monumental, se acende.

Um arrepio que já tinha sentido antes, quando assisti “Rattle and Hum” (1988), pela primeira vez, me pareceu estar revendo ao vivo a cena inesquecível do documentário de Phil Joanou, em que o fundo do palco se torna muito vermelho e os acordes da mesma música começam a soar, enquanto a banda caminha para o palco.

O “tour de force” do disco, definido também por “I Still Haven’t Found What I’m Looking For” e “With Or Without You”, parece arrastar a multidão para o sonho da América então idealizada pelos irlandeses,  enquanto “Bullet the Blue Sky”, lembra o lado pesadelo da história, com a intervenção americana nos conflitos na América Central, em total convulsão, em meados da década de 80.

O lado B do disco se revela ainda mais belo agora do que em 87, “Running to Stand Still” e “Red Hill Mining Town”, esta última com a participação de uma banda do Exército da Salvação, que acompanha o U2, direto do telão, e as mais agitadas, “In God’s Country” e “A Trip Through Your Wires”, que receberam uma resposta mais empolgada da plateia.

Mas o melhor ainda estava por vir: “Exit” e “Mothers Of The Disappeared”, com as imagens tocantes das mães da “Praça de Maio”, trouxeram um pouco mais do Bono ativista político, com um discurso afiado, defendendo os Direitos Humanos como, aliás,  sempre defendeu.

E chega a hora de mostrar um pouco do que a banda fez depois de “Joshua Tree”, os blocos finais trazem velhas favoritas do público brasileiro como “Beautiful Day”, “Elevation” e “Vertigo” e a novidade “You’re the Best Thing About Me”, do repertório do novo disco “Songs of Experience”, com data de lançamento prevista para 01 de dezembro.

Em “Ultraviolet” (Light My Way), o telão exibiu mulheres eleitas pelo público brasileiro como exemplos da força feminina, e as imagens de Taís Araújo, Madre Teresa, Tarsila do Amaral, Maria da Penha, Eva Peron e Patti Smith, entre tantas outras.

Antes de “One” teve ainda mais discurso, elogiando a forma como a AIDS e o HIV são combatidos por aqui, onde a distribuição gratuita dos medicamentos caros foi transformada em um direito dos doentes e, assim, está garantida por lei.

E teve também a camiseta que Larry Mullen Jr voltou vestindo no bis, onde se lia “Censura Nunca Mais”, no momento, nem imaginei que até isso pudesse ser polêmico para alguns, mas a atitude do baterista ajuda a reafirmar que, 30 anos depois, a banda continua do lado certo da História, defendendo os mais fracos e oprimidos. Que bom! Que assim permaneça, pois ultimamente os mais fracos não têm encontrado mais muito apoio, em um mundo em que se prefere construir muros e implodir pontes.

Adriana Maraviglia
@drikared

Setlist U2 “The Joshua Tree Tour – 19/10/2017

Sunday Bloody Sunday
New Year’s Day
Bad
Pride (In the Name of Love)
Where the Streets Have No Name
I Still Haven’t Found What I’m Looking For
With or Without You
Bullet the Blue Sky
Running to Stand Still
Red Hill Mining Town
In God’s Country
Trip Through Your Wires
One Tree Hill
Exit
Mothers of the Disappeared

Bis:
Beautiful Day
Elevation
Vertigo

Bis 2:
You’re the Best Thing About Me
Ultraviolet (Light My Way)
One

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