“Blue & Lonesome” é um dos melhores discos de toda a carreira dos Rolling Stones

THE ROLLING STONES - FOTO: REPRODUÇÃO

Todos os fãs dos Rolling Stones muito provavelmente já sabem a história deste novo disco de cor, mas agora que ele chega (finalmente!) às nossas mãos e depois de apreciá-lo uns pares de vezes, creio que a sequência de acasos que levaram a ele seja mais do que nunca um daqueles lampejos que os Deuses da Música permitem que aconteça, de tempos em tempos, para que nossa vida de aridez, neste planetinha pestilento, seja um pouco mais suportável.

Em dezembro de 2015, quando os Stones se encontraram em Londres, no British Grove Studios, a ideia era ver o que já tinham em mãos para um novo disco de músicas inéditas, o primeiro em mais de 10 anos, depois de “A Bigger Bang” (2005), em um momento entre turnês, já que a banda ainda projetava passar uma boa parte do próximo ano viajando pelo mundo, no que viria a ser a fantástica turnê latino americana “Olé Tour”, que passou por aqui.

Conta o produtor Don Was, que, com a banda reunida, mal os músicos começaram a mostrar o que tinham trazido, já acontecia um impasse e para relaxar e colocar ordem no som do estúdio, Mick teria proposto que tocassem um velho blues, no caso “Blue & Lonesome”, de Little Walter, uma daquelas canções que faziam parte das origens da banda,  antes mesmo de se chamarem Rolling Stones, quando Mick Jagger e Keith Richards se juntaram a Brian Jones e Ian Stewart e eles passavam seus dias tentando fazer versões idênticas de músicas que ouviam nos discos que tanto amavam.

Felizes com o resultado, continuaram com o “exercício” e outras músicas continuaram sendo sugeridas, Jimmy Reed, Muddy Waters, Willie Dixon, Eddie Taylor, Little Walter, Howlin’ Wolf; artistas com que a banda sonhava em seus primeiros passos, voltavam a memória dos quatro senhores que, em apenas 3 dias, quase mágicos, de trabalho e lembranças, sem de darem conta, já tinham “na lata”, o novo disco, não com as tais inéditas que tinham ido gravar, mas com covers de velhos blues e, que disco!

Quem teve a sorte de ver os Rolling Stones na estrada, em suas turnês mais recentes, percebe nitidamente que, se os shows estão visualmente mais simples, sem tantas passarelas e outras distrações em um palco bem menor, a música anda mais sofisticada do que nunca, e os rapazes, como músicos, parecem estar em estado de graça.

E é esta banda em estado de graça, que junto com músicos de apoio de longo tempo como os tecladistas Chuck Leavell e Matt Clifford, o baixista Darryl Jones e o percussionista Jim Keltner, criaram no estúdio suas próprias versões dos velhos blues, mas desta vez, muito mais soltas, sem aquela busca por perfeccionismo dos primeiros tempos, mas com uma qualidade musical que os aproxima muito dos gênios que idolatravam.

Agora, ao mesmo tempo desgastados e lapidados pelo tempo, como os velhos bluesmen que tentavam imitar, eles ressurgem absolutamente gloriosos em “Just Your Fool” de Little Walter, a primeira faixa de “Blue & Lonesome” e primeiro single a sair do álbum, no dia 06 de outubro.

Com Jagger especialmente inspirado, tanto na voz, como na gaita, que agora domina como poucos, ele é a maior razão para corrermos para ouvir “Blue & Lonesome” e prova com seu talento como gaitista de blues, as afirmações entusiasmadas que Keith Richards exibiu em uma entrevista publicada em 2015, na Revista Rolling Stone, dando conta de que seu companheiro estava tocando melhor que Junior Wells e até mesmo que o lendário Little Walter.
Virtuosa, mas sem pretensões, a banda brilha como nunca e sem exageros, estamos diante do melhor disco dos Stones desde meados da década de 70, quando eles eram tão bons, que ajudavam a mudar a cara do mundo com sua música.

E “Blue & Lonesome” é um disco de detalhes, em um momento você presta atenção na gaita de Mick Jagger em “Just Your Fool”, em outros, no intrincado desenho que as guitarras de Keith e Ronnie constroem juntas em “Commit a Crime” e continua se espantando com o trabalho de Mick na faixa-título, tudo levado com vigor pela bateria de Charlie Watts.

Seguindo adiante, não deixe de ouvir “All Your Love”, onde além disso tudo, também aparece o piano de Chuck Leavell quebrando tudo.

Como se não bastasse, Eric Clapton, mixando no estúdio ao lado, quando descobriu que vinha dos Stones aquele som irresistível que estava ouvindo pelos corredores, não se fez de rogado, pegou sua guitarra e tocou ao lado dos amigos em duas faixas “Everybody Knows About My Good Thing” e “I Can’t Quit You Babe”; composição de Willie Dixon, uma velha conhecida nos meios roqueiros, que foi gravada pelo Led Zeppelin em seu primeiro disco, de 1969.

“Ride’ Em On Down” ganhou um videoclipe, que chegou à rede hoje, junto com o disco. Nele, a atriz Kristen Stewart aparece dirigindo um belo Mustang azul, pelas ruas desertas de uma Los Angeles pós-apocalíptica.

Cavando fundo em suas raízes blues, assim, por acaso, quase por diversão, os Stones de hoje parecem mostrar aos garotos puristas que já foram um dia, que existem outras formas de fazer justiça àquelas obras primas que conquistaram seu coração, com um impacto e uma força, que provavelmente elas nunca tiveram, nem em sua forma original.

Brian Jones, que, entre eles, era o mais purista e exigente com a sonoridade da banda, muito provavelmente ficaria espantado com a beleza que seus amigos conseguiram extrair daquele repertório que os viu aprender a tocar, há mais de 50 anos. Não é a toa, que Mick Jagger e Keith Richards sentiram sua presença espiritual no estúdio, no momento em que estavam gravando, aliás, pela qualidade da música que seus amigos conseguiram neste disco, até eu posso vê-lo, sorrindo feliz entre os velhos companheiros.

Adriana Maraviglia
@drikared


Ouça “Blue & Lonesome” na íntegra, pelo Deezer:

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