Keith Richards lança novo trabalho solo


Demorou muito, mas, valeu a pena. O novo disco solo “Crosseyed Heart” não deixa nada a dever aos seus antecessores “Talk is Cheap” (88) e “Main Offender” (92) e como estes dois, já nasce com aquela cara de obra prima.

Segundo o próprio Keith, ele só sai procurando “o que fazer”, quando os Stones estão “hibernando”, por assim dizer, e isso tem acontecido mais raramente nos últimos anos, mesmo assim, para a alegria de quem quer sempre um pouco mais de Keith, a agenda permitiu que ele voltasse a trabalhar com velhos parceiros como o baterista Steve Jordan e o guitarrista Waddy Wachtel e mais ou menos há um ano, o disco já estava pronto, agora era preciso esperar terminar o trabalho com os Stones para lançá-lo.

E o resultado que chega finalmente aos nossos ouvidos é mais uma vez empolgante! O blues que dá título ao disco “Crosseyed Heart” tem menos de 2 minutos de duração, pouco mais do que uma vinheta, com Keith ainda dizendo no final da música que “é tudo o que tenho”, mesmo assim, é tão delicioso ouvi-lo tocar blues, que chega a bater de imediato uma certa indignação da faixa ser tão curta.

De qualquer forma é apenas um prenúncio de tudo o que nos espera no disco, a faixa seguinte “Heartstopper”, assim como o single “Trouble”, traz aqueles riffs matadores que viraram uma espécie de assinatura do trabalho de Keith e permitem que qualquer um identifique o DNA do stone, logo ao primeiro acorde.

Em “Amnesia”, Keith não brinca apenas com a música, mas também com a letra, contando do seu jeito, ou seja, com muita graça, como uma queda de uma árvore em 2006 deixou-o com problemas para lembrar-se de algumas coisas.

O clima muda em “Robbed Blind”, uma balada country rock, com direito a guitarra pedal steel, tocada por Larry Campbell, um músico convidado notável, que tem em seu longo currículo trabalhos com Bob Dylan, Elvis Costello e Emmylou Harris, entre outros. E mais do que outro momento especialmente inspirado do disco, “Robbed Blind” é uma das melhores coisas que Keith compôs nos últimos anos, e nos ajuda a lembrar do grande peso que a country music sempre teve sobre sua obra.

Outro estilo que sempre encontra espaço dentro do repertório de Keith é o reggae. O músico tem uma casa na Jamaica e há muitos anos participa de uma banda de reggae local chamada Wingless Angels. “Love Overdue” é um belo reggae, cover de Gregory Isaacs, executado com muita propriedade.

Na letra de “Nothing On Me”, com muito humor, Keith volta a assumir aquela postura de “fora da lei” cantando sobre uma época em que era sistematicamente perseguido pelas autoridades por seu intenso uso de todos os tipos de drogas ilegais.

“Suspicious” e “Just a Gift” são duas baladas bluesy. Ambas típicas dentro do repertório de Keith e encantadoras. Também entre as baladas “Ilusion” marca uma colaboração bem interessante entre ele e Norah Jones.

Durante as gravações de “Crosseyed Heart”, o diretor Morgan Neville, que em 2013 ganhou o Oscar com seu documentário “A Um Passo do Estrelato”, foi até o estúdio e conversou com Keith sobre a música que serviu de influência para seu trabalho, o resultado, o documentário “Keith Richards: Under the Influence” detalha melhor o enorme espaço que Chuck Berry ocupa em tudo o que o músico criou. “Blues In the Morning”, a nona faixa do álbum também aparece como uma lembrança dessa influência. Keith sempre foi fã de Berry, mas pessoalmente, o relacionamento entre os dois se revelou um caso de amor e ódio, agravado durante as gravações do documentário “Chuck Berry – O Mito do Rock” (87).

E já que falei em influências, a obra de Lead Belly teve certamente um grande impacto, não só sobre Keith, mas em boa parte de sua geração. Um grande número de músicos britânicos que em meados da década de 50 se apaixonaram pela música negra americana e decidiram que deveriam tocá-la, do seu jeito. Os ecos do country blues acústico do músico podem ser ouvidos até hoje. Não se sabe exatamente de onde veio “Goodnight Irene”, Lead Belly gravou-a em 1933. No novo disco, a versão que Keith conseguiu dar para a canção é doce e um dos pontos altos do disco.

“Substancial Damage” tem cara daquelas jams que os músicos fazem para “curtir” no estúdio e a balada “Lover’s Plea” fecha um trabalho incrível, que vai direto para a lista de melhores discos do ano.

Keith conseguiu novamente, e foi além do que se esperava dele. “Crosseyed Heart” é uma amostra de que continua capaz de fazer uma música de altíssima qualidade, sem amarras, sem concessões a nada, nem a ninguém. E ouvir o resultado desse trabalho é ter o privilégio de sentir o gostinho (delicioso) de como é ter liberdade de fazer (com excelência) tudo aquilo que a imaginação manda. Tomara que o próximo disco dos Stones venha com essa mesma pegada.

Adriana Maraviglia
@drikared

Confira as faixas de “Crosseyed Heart”:

1. Crosseyed Heart
2. Heartstopper
3. Amnesia
4. Robbed Blind
5. Trouble
6. Love Overdue
7. Nothing On Me
8. Suspicious
9. Blues in the Morning
10. Something For Nothing
11. Illusion
12. Just a Gift
13. Goodnight Irene (G. L. Davis)
14. Substantial Damage
15. Lover’s Plea

Ouça “Trouble”, primeira música a ser divulgada do novo álbum:

Assista ao trailer do documentário “Keith Richards: Under the Influence”:

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