O sonho de amor de Marc Chagall chega ao CCBB-SP

© Chagall, Marc/AUTVIS, Brasil, 2022
O galo violeta, 1966-1972
óleo, guache e nanquim sobre tela
89,3 × 78,3 cm
Coleção particular

A poesia está no ar. O Centro Cultural Banco do Brasil (São Paulo)  abre as portas em 8 de fevereiro para uma exposição carregada de lirismo – “Marc Chagall: sonho de amor”.

Serão 191 obras do artista franco russo de origem judaica que marcou o século XX pelo uso revolucionário das formas e das cores, criando um universo único em suas pinturas – fazendo delas verdadeiras obras poéticas. Não à toa, a mostra apresentará alguns de seus poemas e contará a trajetória de Chagall, pautada pelo amor que devotava à vida e às artes.

Considerada sucesso pela crítica brasileira, “Marc Chagall: sonho de amor” recebeu mais de 560 mil visitantes em sua temporada nos CCBBs Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte.

A exposição contará ainda com a presença de obras do pintor que não haviam sido expostas nas itinerâncias anteriores. Desta vez, serão 12 obras oriundas de instituições brasileiras, cedidas especialmente para a exposição.

Na passagem por São Paulo, “Marc Chagall: sonho de amor” oferecerá também ao público performances de dança na obra Air Fountain, de Daniel Wurtzel, e a intervenção cênico-musical Bella e o violinista, entre outras novidades. É previsto ainda um ciclo de debates e uma palestra com a curadora da mostra, Lola Durán Úcar.

Será uma oportunidade para o público compreender, a partir de diversas linguagens artísticas, a vida de Chagall e seu legado artístico. Os ingressos para a palestra poderão ser retirados gratuitamente em bb.com.br/cultura ou na bilheteria física do CCBB SP.

A imagem poética do amor

© Chagall, Marc/AUTVIS, Brasil, 2022
Primavera, 1938-1939
guache e pastel sobre cartolina sobre cartão
64 × 48,3 cm
Acervo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo
Foto Romulo Fialdini

Houve um tempo em que eu tinha duas cabeças Tempo em que esses dois rostos Se cobriam de um orvalho amoroso, Entrelaçados como o perfume e a rosa

Marc Chagall (Trecho traduzido do poema “Seul est mien”)

Assim como o amor, a poesia de Chagall, versada em paixão, espiritualidade e melancolia, orienta a mostra.

Em seus escritos, o artista afirma a influência dos versos na sua concepção de mundo: “Assim que aprendi a me expressar em russo, comecei a escrever poesia. De forma tão natural quanto respirar. Que diferença faz se é uma palavra ou um suspiro?”.

Nascido em 7 de julho de 1887, no bairro judaico da cidade de Vitebsk, na antiga Rússia, Marc Chagall viveu uma vida quase centenária, chegando aos 97 anos de idade. Faleceu na França, em 1985, após atravessar a Revolução Russa e a 1a e 2a Guerras Mundiais, assistir à criação e consolidação do Estado de Israel e ser reconhecido como um dos nomes mais importantes da arte moderna, sobretudo pela criação de uma linguagem artística única.

Na entrada do CCBB SP, mais precisamente no átrio central localizada no piso térreo, o “sonho de amor” é anunciado pela instalação contemporânea Air Fountain, gentilmente cedida pelo artista norte-americano Daniel Wurtzel a pedido da organizadora da mostra, Cynthia Taboada. Nas salas expositivas, por sua vez, o percurso apresenta uma seleção de obras produzidas por Chagall ao longo da carreira, de onde emergem os temas: origens e tradições russas; o amor e o exílio na representação do mundo sagrado; o lirismo e a poesia, reencontrados em seu retorno à França; e o amor transcendente, uma ode ao sentimento de estar apaixonado, presente na figura dos enamorados que flutuam nas telas ou estão imersos entre ramos de flores.

Na obra de Chagall, o gosto pelas cores só fez aumentar o amor pela vida. Como declarou: “Na vida, assim como na paleta do artista, há somente uma cor que dá sentido à vida e à arte: é a cor do amor”.

Com biografia marcada pela origem humilde e pelos inúmeros obstáculos à sobrevivência, mudou-se inúmeras vezes: viveu na França, nos Estados Unidos e na própria União Soviética, onde, após a Revolução Russa, ocupou o posto de Comissário de Belas Artes de Vitebsk, sendo responsável pela vida artística da cidade. Após breve atuação no cargo, Chagall mudou-se para Moscou, onde trabalhou, em 1920, nos painéis e no mural do Teatro Judeu, com grande repercussão naquele contexto. Em seguida, mudou-se para Berlim, onde havia sido reconhecido artisticamente desde 1914, partindo em 1922 para a cidade à qual dirigiu inúmeras declarações de amor e onde viveu a maior parte de sua vida: Paris, cidade em que atingiu sua plenitude artística.

Em sua trajetória única, Chagall fundiu diferentes culturas: a judaica, sua cultura de origem familiar; a russa, de nascimento; e a ocidental, por escolha. Em uma combinação especial de domínio técnico, respeito pelas tradições ancestrais e extrema sensibilidade na orquestração de formas e cores, abriu caminhos para o surrealismo, estabeleceu diálogo com o cubismo e fauvismo, criando um universo próprio, vibrante e imaginativo. Não menos importante é sua contribuição para as artes gráficas, em que alcançou pleno domínio das técnicas de água-forte e de litografia, produzindo séries gráficas de excepcional beleza e apuro técnico, à altura das obras literárias que as inspiraram. E para Chagall, a Bíblia ainda era a maior fonte de poesia de todos os tempos.

Segundo a curadora da exposição, Lola Durán Úcar, couberam na seleção obras “que mostram diferentes técnicas e suportes que Chagall utilizou com grande virtuosismo: óleos, têmperas e guaches, litografias e águas-fortes em branco e preto e coloridas à mão”.

Algumas pessoas me recriminaram por colocar poesia nas minhas pinturas. É verdade que há algo mais a exigir da arte pictórica. Mas que me mostrem uma única grande obra que não tenha uma porção de poesia!

Marc Chagall (Trecho traduzido do livro “Minha Vida”)

As palavras de Chagall inspiram o clima onírico que norteia a seleção das obras.

Entre os trabalhos do artista presentes na mostra, que contemplam o período de 1922 a 1981, pode-se destacar o raríssimo guache O avarento que perdeu seu tesouro (L’avare qui a perdu son trésor), de 1927, produção que dá início à série gráfica das Fábulas de La Fontaine (Fables, Jean de La Fontaine), encomendada por Ambroise Vollard no final dos anos 1920 e impressa somente em 1952.

Também fazem parte da mostra as gravuras coloridas à mão da série Bíblia, animadas por um sentimento de reconexão do artista com suas origens, com sua essência e com a tradição judaica.

Além disso, a exposição conta com litografias publicadas em 1954 na revista francesa Derrière Le Miroir – Edições 66, 67 e 68 – “Marc Chagall: Paris”, produzidas como uma homenagem do artista à cidade que tão bem o acolheu, no auge de seu domínio técnico da litografia. A série é uma declaração do seu amor por Paris.

O visitante também perceberá que, em cada seção da exposição, encontram-se obras emblemáticas. Entre elas: Os amantes com asno azul (Les amoureux à l’âne bleu), de 1955, O galo violeta (Le coq violet), de 1966-1972, Os reflexos verdes (Le reflets verts), de 1964, Duas cabeças (Deux têtes), de 1966, Buquê de flores sobre fundo vermelho (Bouquet de fleurs sur fond rouge), de ca. 1970, Os noivos com trenó e galo vermelho (Les mariés au traîneau et au coq rouge), de 1957, e Primavera (Le Printemps), de 1938-1939, as duas últimas provenientes respectivamente dos acervos da Casa Museu Ema Klabin e do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC USP), ambas especialmente cedidas para a exposição.

Tanto a curadora como a idealizadora da mostra ressaltam a importância das coleções nacionais para a itinerância. “As 12 obras emprestadas pelas instituições brasileiras são parte do empenho da organização em enriquecer a exposição, ampliando o diálogo entre obras do exterior com obras presentes em coleções museológicas brasileiras, o que só foi possível por meio de um intenso processo de pesquisa sobre cada uma delas”, explica Cynthia Taboada, que liderou esse processo. “É uma grande oportunidade contemplar essas obras reunidas, pois são de grande importância no discurso expositivo”, completa Lola Durán Úcar.

Módulos da exposição

© Chagall, Marc/AUTVIS, Brasil, 2022
Buquê de flores sobre fundo vermelho, ca. 1970
óleo sobre tela
41 × 32,5 cm
Coleção particular

São quatro seções. A primeira intitula-se Origens e tradições russas e nela está presente a marcante obra Aldeia Russa (Russian village), de 1929 e a obra Vendedor de gado (Le Marchand de Bestiaux), de 1922, cedida pelo MASP, que raramente é exposta. Também faz parte dessa primeira seção da mostra um dos mais importantes projetos de Chagall, no qual sua ideia de tradição está intimamente ligada à vida campesina da infância e adolescência no vilarejo de Vitebsk, na companhia de animais e cercado pela natureza.

Destaca-se a série gráfica completa das Fábulas – inspirada na obra de La Fontaine, escritor francês do século XVII –, na qual dialoga com a cultura popular e penetra no comportamento humano, metaforizado nos textos do escritor francês.

Chagall mergulha no universo onírico e reflexivo das fábulas, atraído por uma forma tradicional da arte popular russa, os lubki, que eram pequenos textos com ilustrações coloridas, usados para facilitar a educação de pessoas com pouca formação.

Os trabalhos relacionados aos textos sagrados e ao universo espiritual de Chagall compõem o segundo bloco da exposição, intitulado Mundo Sagrado, que se subdivide em “Bíblia” e “A história do Êxodo”.

Nele se destacam as pinturas No caminho, o asno vermelho (En route, l’âne rouge), de 1978, e Davi e Golias (David et Goliath), de 1981, além de gravuras coloridas à mão, que representam alguns dos capítulos mais importantes do Velho Testamento, como Moisés e Arão diante do Faraó (Moïse et Aaron devant Pharaon), Travessia do Mar Vermelho (Passage de la Mer Rouge) e Morte de Moisés (Mort de Moïse), estas com impressão realizada em Paris em 1956.

Em 1930, Chagall foi convidado pelo colecionador de arte Ambroise Vollard a ilustrar textos sagrados. Antes de iniciar as séries, em companhia de sua esposa, Bella Rosenfeld e de sua filha Ida, empreendeu uma viagem à Palestina em 1931, que implicou não somente um retorno à sua tradição judaica, mas uma reflexão profunda sobre sua identidade em comunhão com a natureza. A passagem do Êxodo da Bíblia, presente nesta seção num conjunto de 24 litografias, encontra ressonância em sua trajetória pessoal, marcada pelo dramático exílio nos Estados Unidos, onde se refugiou face à perseguição aos judeus durante a 2a Guerra Mundial. O exílio foi tristemente marcado pela morte de Bella, em 1944.

O terceiro segmento da exposição, intitulado Um poeta com asas de pintor, reúne trabalhos ligados ao regresso de Chagall do exílio nos Estados Unidos.

Em sua casa em Saint-Germain-en-Laye, nos arredores de Paris, Chagall recebia visitas de amigos intelectuais e poetas, tais como Paul Éluard, Yvan Goll, Pierre Reverdy e Aimé Maeght, além do editor grego Tériade, responsável pela publicação de livros de arte com obras do pintor. Chagall teria mais duas companheiras (Virginia Haggard, de 1945 a 1952, e Valentina Brodsky, de 1952 até a morte do artista, em 1985).

Desse período emergem trabalhos marcados pela presença de palhaços e acrobatas. A arte circense remete não apenas à sua memória dos circos de Vitebsk, mas também à lembrança das sessões circenses na própria Paris, onde, acompanhado por Ambroise Vollard, Chagall voltou a se divertir, admirando trapezistas, domadores de animais e shows de luzes. O mundo do circo, a vida parisiense e o amor a Paris são os protagonistas das obras dessa seção, em que figuram desenhos e pinturas a óleo, guache e nanquim, como O galo violeta (Le coq violet), de 1966-1972; Pintor e acrobata (Peintre et acrobat), ca. 1961; Os reflexos verdes (Les reflets verts), de 1964; Músico e dançarina (Musicien et danseuse), de 1975; A inspiração (L’inspiration), de 1978; e a série litográfica publicada na revista Derrière Le Miroir.

Por fim, o quarto e último módulo da mostra é intitulado O amor desafia a força da gravidade, em que o sentimento de amor, a sensação de estar apaixonado, o enlace dos enamorados são os temas das pinturas, reforçando sempre o fato de o amor ter sido a força motriz do artista, frente aos inúmeros obstáculos da vida. Ao seu lado, a musa e primeira esposa, Bella Rosenfeld, com quem partilhava uma visão muito particular de perceber e habitar o mundo. Apesar de sua morte prematura, Bella continuou a inspirar trabalhos de Chagall.

Consta dessa parte da exposição uma seleção de obras em que Chagall trata do tema ao longo de sua vida: Buquê de rosas (Bouquet de roses), de 1930, Os amantes com buquê de flores (Les amoureux au bouquet de fleurs), de 1935-1938, Grande nu (Grand nu), de 1952, O buquê da Lua ou Os lírios brancos (Le bouquet de la lune ou Les arums blancs), de 1946, Os amantes com asno azul (Les amoureux à l’anê bleu), de ca. 1955.

O amor como força que move a vida e a arte, tal como Chagall expressou vividamente em sua obra, encerra a exposição com Os noivos com trenó e galo vermelho (Les Mariés au traîneau et au coq rouge), de 1957, obra síntese do tema, cedida pela Casa Museu Ema Klabin, Os noivos e o anjo (Les mariés et l’ange), Casamento sob o dossel (Mariage sous le baldaquin), ambos de 1981, e O sonho (Le rêve), de 1980.

A mostra também conta com trabalhos que não foram vistos em outros países. A exposição faz parte de uma itinerância que foi concebida na Itália, e o projeto brasileiro inclui outros repertórios, como a série litográfica Chagall: Paris para a revista Derrière Le Miroir, e obras de 1946, como a belíssima O buquê da Lua ou Os lírios brancos (Le bouquet de la lune ou Les arums blancs), além do diálogo com obras provenientes de coleções brasileiras como as da Fundação José e Paulina Nemirovsky, em comodato com a Pinacoteca do Estado de São Paulo, cedidas para a exposição: O violinista apaixonado (Le violoniste amoureux), de ca. 1967, Cidade cinzenta (Village gris), de ca. 1964, Casa em Peskowatik (Maison à Peskowatik), de 1922, e Autorretrato com chapéu enfeitado (Autoportrait au chapeau garni), de 1928, integradas aos módulos da exposição. Outra grande novidade é a inclusão do conjunto de águas-fortes realizadas por Chagall para integrar o livro Maternité, de 1926, de autoria do escritor surrealista Marcel Arland, que faz parte da Coleção Mário de Andrade, primeiro colecionador de Chagall no Brasil, nos anos 1920. O livro e o conjunto de gravuras foram gentilmente cedidos pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP para a etapa de São Paulo.

Um dos propósitos da mostra é reaproximar o público desse artista ímpar, proporcionando uma imersão em seu universo vibrante e poético. A ideia é embalar o visitante numa atmosfera de conhecimento e encantamento, “na qual possa dialogar e se sentir tocado pelos diversos sentidos do amor que perpassa a obra de Chagall, […] num momento de fragilidades mundiais”, completa a curadora.

Ao realizar essa exposição, o Centro Cultural Banco do Brasil oferece ao público o contato com o trabalho de um dos grandes nome da arte mundial, reafirmando seu compromisso de ampliar a conexão dos brasileiros com a cultura.

A exposição tem patrocínio da BB Seguros e do Banco do Brasil, por meio da Lei Federal de Incentivo à Cultura. A organização e produção são da empresa Cy Museum, em parceria com a italiana Arthemisia.

Exposição: Marc Chagall: sonho de amor –  Local: Centro Cultural Banco do Brasil São Paulo – Período: 8 de fevereiro a 22 de maio –  Funcionamento: todos os dias, das 9h às 20h, exceto às terças-feiras –  Ingressos gratuitos: disponíveis em bb.com.br/cultura e na bilheteria física do CCBB SP. – Entrada acessível: Pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida e outras pessoas que necessitem da rampa de acesso podem utilizar a porta lateral localizada à esquerda da entrada principal –  Informações: (11) 4297-0600. 

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