O Brasil morro abaixo de “Democracia em Vertigem”
|A cineasta Petra Costa escolheu um tom bastante pessoal para contar ao público os acidentados anos mais recentes da democracia brasileira e o resultado é “Democracia em Vertigem”, o documentário que acaba de chegar à Netflix mostrando cada um dos agentes que contribuiram para que o Brasil de hoje esteja nas mãos de uma extrema direita muitas vezes pior do que os sanguinários generais da Ditadura pós-golpe de 64.
E com a narração da voz da própria Petra, acompanhamos mais uma vez a sucessão de fatos que levaram o Brasil a uma onda de desenvolvimento e progresso que nunca haviam acontecido antes, na história deste pais, uma realidade nos oito anos de governo Lula e no primeiro mandato de Dilma Rousseff, para, a seguir, mergulhar cada vez mais fundo no que parece se transformar em uma nebulosa trama de traições e reviravoltas dignas de William Shakespeare.
A cada capítulo desta novela, ficam mais explícitos diante dos nossos olhos os detalhes que levaram a um golpe, mal disfarçado de crime de responsabilidade, em votações transmitidas pela TV que expuseram ao país o abismo que existia entre a vontade popular e o mau caratismo explícito de representantes eleitos.
Passando pela visão da diretora, a história do Brasil que é narrada se mistura a história de sua própria família, a mãe de Petra, militante de esquerda, chegou a ficar presa no mesmo presídio que Dilma Rousseff durante a ditadura, enquanto o avô, que não queria que sua construtora fizesse negócio com o governo de João Goulart, não se opôs a passar a lucrar milhões depois da chegada dos militares ao poder.
Com tanta proximidade com esta história, em muitos momentos fica difícil manter um olhar mais analítico ou jornalístico sobre os fatos e a emoção toma conta de tudo. É óbvio o encantamento que a figura de Lula desperta, bem como a identificação imediata com a história de Dilma Rousseff, que, mesmo com algumas críticas, são os heróis sacrificados neste longo percurso rumo ao fundo do poço que o país tem trilhado desde o Impeachment.
Mas também imagino que em um filme deste tipo sempre haveria lugar para alguma objetividade; a tragédia da polarização em que vivemos mergulhados desde então não pode ser simplesmente lamentada e talvez fosse necessário apontar o dedo com um pouco mais de energia contra os maiores causadores deste estado de retrocesso em que estamos vivendo: a grande mídia, que com sua campanha de demonização da esquerda, trouxe para este século XXI coisas que já pareceriam retrógradas no século XX, quando, por burrice e preconceito da classe média, levaram o país a perder o trem da história por mais de 20 anos.
Quantos anos será que perderemos desta vez neste mesmo atoleiro e principalmente, quando aprenderemos a deixá-lo para trás de uma vez por todas?